" As mesmas e as outras coisas"

Grosserias
Tapas
Beliscões ...
No mesmo lugar de sempre
Com os mesmos amores
As mesmas dores
Os mesmos cheiros
Os meus e os teus misturados
Os teus um pouco fracos
Talvez pelo tempo
Talvez o meu olfato que já não é mais o mesmo
Talvez minha memória que se vê obrigada a novos cheiros todos os dias tenha te apagado ...
Assim como defesa
Como algo que já não importa tanto
Como algo que já foi arquivado em “memórias”
Se quer saber
Até o mesmo tempo insistiu em ficar
As mesmas pedras da rua torta
A mesma bebida
Mas os degraus da escada não mais nos pertencem...
E nem as cadeiras vermelhas na ponta do bar
Nem ali elas estão mais
Nem uso mais a mesma blusa preta e nem a mesma mochila ... não hoje pelo menos
O relógio, acho que também não é mais o mesmo
Só o horário que não mudou
E os minutos continuam correndo
Apressados em fazer minha felicidade rápida
As pessoas mudaram um pouco não todas ... algumas
Agora entendo um pouco suas longas reclamações
Os bolos secos continuam na bancada
E os salgadinhos empoeirados presos em grampos
Os mendigos também continuam a vir conversar um pouco e ganhar um copo de bebida
Só que não os mesmos. Não todos.
Agora há diferentes músicas ao fundo
E mais luz.
Mas ainda faço festa na chegada e doce na partida.
Mas ainda desço tropeçando e pensando para a mesma rua de faixas brancas gastas, de pessoas pensativas embaixo de seus guarda chuvas, de carros velozes com vidros negros, de seguranças cansados sentados em suas cadeiras atrás do portão, e de visão privilegiada.
Encosto no mesmo muro chapiscado, sujo e molhado.
Acendo um cigarro, mas não o mesmo.
E espero o mesmo ônibus sujo, velho, penso e demorado.